A tradição espiritual e
ascética sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para um verdadeiro
caminho espiritual e de oração. “A oração tem como pai o silêncio e como mãe a
solidão”, disse um grande homem espiritual. Só o silêncio, de fato, torna possível
a escuta, isto é, o acolhimento em si não só da Palavra, mas também da presença
daquele que fala. Assim, o silêncio abre o cristão à experiência da inabitação
de Deus: o Deus que procuramos seguindo na fé Cristo ressuscitado, é o Deus que
não é estranho a nós mas habita em nós. Diz Jesus no quarto Evangelho: “Se
alguém me tem amor, há de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e nós
viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23). O silêncio é linguagem de
amor, de profundidade, de presença do outro.
Infelizmente, hoje o
silêncio é raro, é a coisa que mais falta ao homem moderno, assoberbado por
murmúrios, bombardeado por mensagens sonoras e visuais, derrubado da sua
interioridade, quase caído longe dela.
É preciso confessar:
temos necessidade do silêncio! Temos necessidade dele de um ponto de vista
puramente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de
modo equilibrado e significativo apenas graças à relação harmónica entre
palavra e silêncio. Contudo, temos necessidade de silêncio também do ponto de
vista espiritual, como alimento primário da nossa oração e da vida interior.
Para o cristianismo o silêncio é uma dimensão não apenas antropológica, mas
teológica: sozinho no monte Horeb, o profeta Elias ouviu primeiro um vento impetuoso,
depois um terremoto, em seguida um fogo e por fim o “murmúrio de uma brisa
suave” (1 Re 19,12). Ao ouvir esta última, Elias cobriu o rosto com um manto e
colocou-se na presença de Deus. Deus torna-se presente a Elias no silêncio, um
silêncio eloquente. A revelação do Deus bíblico não passa só pela palavra, mas
acontece também no silêncio.
Inácio de Antioquia diz
que Cristo é “a Palavra que procede do silêncio”. O Deus que se revela no
silêncio e na palavra exige a escuta do homem e para a escuta é essencial o
silêncio. Não se trata, por certo, de abster-se simplesmente de falar, mas do
silêncio interior, aquela dimensão que nos devolve a nós próprios, que nos
coloca sobre o plano do ser, diante do essencial. “No silêncio está inserido um
maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração sobre as
coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer). É do silêncio que pode nascer uma
palavra aguda, penetrante, comunicativa, sensata, luminosa, ousaria mesmo dizer
terapêutica, capaz de consolar. O silêncio é o guardião da interioridade.
É verdade que se trata
de um silêncio definido tão negativamente como sobriedade e disciplina no
falar, até chegar à abstenção das palavras, mas que passa deste primeiro
momento para uma dimensão interior, isto é, o fazer calar os pensamentos, as
imagens, as revoltas, os juízos, os murmúrios que nascem no coração.
De fato, é “do interior
do coração dos homens que saem os maus pensamentos” (Mc 7,21). É difícil o
silêncio interior, aquele que se joga no coração, lugar de luta espiritual, mas
este silêncio profundo gera caridade, atenção, acolhimento, empatia diante do
outro.
Sim, o silêncio escava
no mais profundo de nós um espaço para fazer habitar o Outro, para deixar
permanecer na sua Palavra, para radicar em nós o amor pelo Senhor; ao mesmo
tempo, em ligação a isto, dispõe-nos à escuta inteligente, à palavra medida, ao
discernimento do coração do outro, daquilo que o queima no seu íntimo e que
está encerrado no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então
aquele silêncio, suscita em nós a caridade, o amor pelo irmão e, por
consequência, a capacidade de intercessão, de oração pelo outro, bem como a
ação de graças pelo encontro que aconteceu. Assim o duplo mandamento do amor de
Deus e do próximo é cumprido por quem sabe guardar o silêncio. Por isso,
Basílio pôde dizer: “O silencioso torna-se fonte de graça para quem escuta”.
Neste ponto, pode repetir-se, sem receio de cair em mera retórica, a afirmação
de E. Rostand: “O silêncio é o canto mais perfeito, a oração mais alta”. Ao
conduzir à escuta de Deus e ao amor pelo irmão, à caridade autêntica, isto é, à
vida em Cristo (e não a um vazio interior genérico e estéril), o silêncio é
oração verdadeiramente cristã e agradável a Deus. É este o silêncio que chega a
nós de uma longa história espiritual, é o silêncio procurado e praticado pelos
hesicastas para obter a unificação do coração, é o silêncio da tradição
monástica finalizado no acolhimento em si da palavra de Deus, é o silêncio da
oração de adoração da presença de Deus, é o silêncio caro aos místicos de
qualquer tradição religiosa e, acima de tudo, é o silêncio do qual é rica a
linguagem poética, é o silêncio que constitui a própria matéria da música, é o
silêncio essencial a qualquer ato comunicativo.
O silêncio,
acontecimento de profundidade e de unificação, torna eloquente o corpo,
conduzindo-nos a habitar o nosso corpo, a habitar a nossa vida interior,
guiando-nos ao habitare secum tão precioso para a tradição monástica. O corpo
habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa. O cristianismo contempla
Jesus como Palavra feita carne, mas também como silêncio de Deus: os evangelhos
mostram um Jesus que, quanto mais se adentra na paixão, cada vez mais se cala,
entra no silêncio, como cordeiro sem voz, como aquele que, conhecendo a
verdade, sabendo o indizível fundo da realidade, não pode nem quer trair o
inefável com a palavra, mas guarda-o com o silêncio. Jesus que “não abre a sua
boca” mostra o silêncio como aquilo que é verdadeiramente forte, faz do seu silêncio
um ato, uma ação. E precisamente por isso poderá fazer também da sua morte um
ato, um gesto de um vivente, para que seja claro que por trás da palavra e do
silêncio, aquilo que é verdadeiramente salvífico é o amor que vivifica um e
outro.
Fr. Enzo Bianchi - Prior da Comunidade Monástica de Bose
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