segunda-feira, 25 de março de 2013

A dor do silêncio


“Queria falar! Poder dizer tudo, mas a minha solidão não permite. Porque ninguém quer ouvir essas lamentações vagas. Então eu ouço a minha voz me dizendo tudo e, o que sinto por dentro é indescritível. É a dor do silêncio que me obriga a sentir e ouvir as minhas mágoas. Essa voz que às vezes me arranca sorrisos, também derrama as minhas lágrimas. Esta voz, a minha voz que cala, mas não para dentro de mim. Eu tenho as perguntas e as respostas, mas queria gritar ao mundo o que sinto, porém  em quanto isso eu vou conversando comigo mesma. E vejo as horas passarem e adormeço em meio à dor. Eu não sei o que me dói mais. Serão os meus pensamentos ou  não poder dizê-los?”

Lúcia Alves

Dor e Silêncio



Prendi a minha dor em masmorras de silêncio,
Algemei-a, amordacei-a,
Temendo que um grito,
Um só grito,
Escapasse das feridas abertas,
Das nesgas estreitas,
Dos golpes em chagas.
Isolei-a com lágrimas
Que petrifiquei nos meus olhos
Em cristais de mudez.
Mas... ai de mim!,
O silêncio cresceu,
Emoldurou minha dor
Em auges de clamor.
Engrandeceu-lhe o fragor,
Fez sobressair os gemidos
Cegos,
Feridos,
Traídos,
Dilacerados,
Dos meus martírios...
Então...
Libertei os meus ais
E na mescla do Mundo
Os soltei, vagabundos,
Iguais,
A tantos outros, doloridos
Que tais...
E o eco finou-se,
Apagou-se,
Amortecido pelos gritos de gente
Que, como eu, sofre, indigente,
Em busca de Paz...
O silêncio não é a voz da dor,
Mas que a faz gritar mais alto...
Ah!... lá isso, faz!

Sterea

O Silêncio dos Adolescentes


 
Os pais desejam falar com os seus filhos adolescentes e saber o que pensam, sentem e fazem, mas os jovens não falam...Isto é normal?

"Às vezes sinto que falar com uma parede é mais fácil do que arrancar uma palavra ao meu filho", diz uma mãe, que logo acrescenta: "quando responde com monossílabos sinto que tivemos uma grande conversa".
Claramente, esta é a fase do silêncio. A nova forma de comunicar-se é o silêncio ou, no melhor dos casos, as frases entrecortadas. Alguns livram-se de cair nesta etapa, mas são muito poucos. Por isso, é normal encontrar tantos pais desesperados com a indolência dos seus filhos. Tomar consciência do que se trata e de por que acontece é uma boa ajuda, pois assim é possível aprender o lado positivo, que neste caso, não é pequeno.

Durante a infância as crianças estão completamente viradas para o mundo exterior, comunicam e recebem ordens sem problemas. Mas na puberdade, e fazendo isso parte de um processo absolutamente normal, começam a ter uma maior preocupação por outros aspectos de si mesmos. No início, isto toma a forma de introversão passiva, para ir progressivamente tornando-se ativa, e caracteriza-se por:
1. O jovem desvia o interesse do mundo exterior, para se concentrar cada vez mais em si próprio.
2. Procura diferenciar-se de todo o resto e, por esse motivo, rompe com a autoridade, tanto dos pais como dos professores. Procura autonomia, o que por vezes implica um período de crítica, e lhe faz perder, por exemplo, o interesse em participar nas atividades familiares.
3. Na parte final do conhecimento, cresce a fantasia, através da qual compensa as inseguranças que experimenta no mundo real. Por isso é tão difícil falar com ele: está no seu próprio mundo.
4. No campo das amizades, afasta-se dos grandes grupos e nasce a época do melhor amigo ou amigo íntimo, sem que esteja necessariamente excluída uma intensa vida social.

A conseqüência final: uma criança isolada que se torna calada e completamente egocêntrica. O objetivo: desligar-se de tudo o que é exterior para melhor conhecer a sua interioridade e se encontrar com a sua intimidade. Precisam de um certo isolamento para pensarem e refletirem acerca de quem são, das suas novas experiências e formas de sentir o mundo.

Há uma espécie de retiro e um abandonar-se a não fazer nada; podem passar um dia inteiro fechados. Quando crescem um pouco mais, o silêncio mantém-se, mas é acompanhado de uma procura de modelos com os quais se identificam, para criarem um ideal de si mesmos.

Em resumo, a filósofa Carolina Dell Oro explica que o adolescente se apercebe de que tem algo dentro de si, e quer desenvolvê-lo. É o momento em que algo nasce, e para se descobrir precisa estar só e calado.
Resgatando o silêncio

O que é mais normal com esta atitude é que os pais percam a paciência. Mas é importante que eles tomem consciência de que se trata de um processo de conhecimento. Assim, tendo em conta certos pontos, e sabendo quais são as consequências positivas, será mais fácil compreender os anos de introversão.

Para isso a psicóloga Beatriz Zegers, explica um importante ponto de partida: ''No mundo atual, as pessoas tornaram-se mais intolerantes perante os silêncios individuais. Vivemos num ambiente que é extremamente extrovertido: tudo se fala, tudo se diz e não se respeitam os momentos de silêncio, que são fundamentais para o desenvolvimento da intimidade''. Isto não significa que o adolescente corte a comunicação verbal para sempre e não tenha mais nada para contar: também há momentos em que se envolvem, e isto é normal, mas nesta fase são menos freqüentes.

E como o silêncio é o estado normal, um segundo ponto é que: "o estar calado é também uma forma de comunicação. Dão-se informações através das palavras, mas também através do silêncio, por isso, os adolescentes estão a dizer-nos alguma coisa. Nós, os pais, devemos desenvolver a habilidade de decifrar o que está acontecendo''. 

O silêncio normal nesta idade é o explicado anteriormente, quer dizer, que ele tem a ver com a procura da intimidade, é uma reflexão que se exprime com a tendência ao isolamento. Este silêncio, porém, é diferente do silêncio que é acompanhado de hostilidade, ou de problemas de relacionamento com os pais, ou de baixo rendimento escolar. ''Aqui o silêncio tem outro significado: é um problema que tem de ser solucionado''. Quanto mais áreas este silêncio comprometa, mais preocupante é. Se o silêncio é excessivo, pois provoca uma ruptura total com os outros, isso já é negativo.

Para uma vida melhor:

O silêncio reflexivo que acontece na fase da adolescência é fundamental. Beatriz Zegers afirma: ''Sem silêncio privamo-nos da possibilidade de nos ouvirmos a nós mesmos, perdemos a capacidade de desenvolver a contemplação e a meditação ''.

De fato, uma das características próprias do ser humano é a capacidade de entrar na sua própria intimidade e, segundo Carolina Dell Oro, é precisamente na adolescência que se amadurece e solidifica o mundo interior. '' A adolescência é o principio de um crescimento qualitativo, onde nasce a consciência da própria intimidade, que é fundamental para a revelação como pessoa''.

Portanto, há que deixar de pensar que esta é uma fase obscura e crítica. Pelo contrario, é o momento mais determinante da pessoa, pois é o momento no qual, em silêncio, o indivíduo examina toda a sua infância, descobre o mundo interior e prepara a sua idade adulta de maneira a saber agir no futuro, como alguém que pensa e não porque assim fazem todos.

Carolina acrescenta: '' Uma pessoa que tem um bom mundo interior age a partir de si mesmo, com menor perigo de se deixar levar por qualquer disparate. É uma criança que, sem duvida, terá uma vida melhor ''.
Como nos entendemos?

Por muito positivo que seja tudo o que surge do silêncio reflexivo, aos pais, no dia a dia, tanta impassibilidade pode pôr-lhes os cabelos em pé, sobretudo, se dão conta de que, apesar das maiores tentativas para falar com o ''semi-mudo'', não ouvem resposta nenhuma. Para não caírem em desespero e saberem como agir, Carolina Dell Oro dá algumas recomendações chave:
1. Conhecer o processo. A primeira das chaves é tomar consciência do processo que a criança está vivendo. "Ela está num momento de ajustes, está desconcertada, não se dirige, está lenta, e ter isso em conta é fundamental para não ser violento com ela e, pelo contrario, encher-se de paciência". Além disso, é importante compreender que a atividade exterior não é a única alternativa; a atividade interior também é fundamental.
2. Estar e acompanhar. Como ação concreta, o mais recomendado é a companhia. "Acompanhar e estar aí, junto deles, é a melhor forma de comunicação. Há que evitar cair na tentação de que: como não me fala deixo-o sozinho", afirma a filósofa, que acrescenta: "é um estar presente que não implica nem falar nem ralhar, mas apenas garantir que desses pensamentos que deslumbram o adolescente se obtenham bons resultados".
3. Saber esperar. A paciência vale ouro, porque para esses resultados há que esperar um pouco, respeitando o silêncio, evitando zangar-se por não haver resposta. "Tem que se ser delicado na relação com os filhos e não os aborrecermos com perguntas e com temas sem sentido. Isso não vai resultar. O melhor é criar situações de silêncio e de contato pessoal e direto, marcando sempre o limite do que é correto e permitido". Desta maneira, uma criança que sente que a respeitam, finalmente, no fim da sua adolescência, será, sem dúvida, capaz de exprimir os seus pensamentos e combinar muito bem as duas perspectivas humanas: a intimidade e a capacidade de agrupar-se com os outros.

Quando alarmar-se
1. quando o silêncio é acompanhado de manifesta agressividade;
2. quando a má relação com os pais e professores exigir outras causas que não simplesmente a adolescência;
3. quando existam suspeitas fundadas de que o filho não anda por bons caminhos;
4. quando existam quebras do rendimento escolar.

Guardar os limites
Se bem que a recomendação seja respeitar o silêncio dos adolescentes e permitir-lhes que desenvolvam um mundo próprio, para tudo há limites, e estes devem ser devidamente estabelecidos:
- Está bem que ouçam a sua música e que adorem estar enfiados nos fones do ''walkman'', mas isto não deve ser feito à hora da refeição.
- Que não se preocupem com os irmãos nas 24 horas do dia, é normal e aceitável, mas se por uma razão especial isso for necessário, devem estar dispostos a encarregarem-se deles.
- Se caminham pela rua arrastando os pés, de tal maneira que pareça que vão desmaiar, aceite, porque é possível que tenham tido uma importante atividade física, por exemplo, na escola.
- É normal que não lhe agrade ensinar matemática à irmã mais nova, mas que o faça sem problemas ao amigo. Não é preocupante. O mesmo se passa com as obras sociais: gosta de visitar asilos, mas não se dá conta de que em casa está alguém doente. Isso é normal e está dentro dos limites, mas também é superável.

Fonte: Encuentra.com 

Palavra e Silêncio



Não é dito na tradição cristã que a palavra seja o princípio, mas que ela está “no princípio” — e não no começo como algumas traduções inadequadas. “No princípio era a Palavra”. Ora o princípio, é o silêncio. É com efeito do silêncio – o Pai, ou ainda o Nada em certas tradições espirituais – que surge a Palavra. E logo, quando se rompe esta ligação entre silêncio e palavra – ao passo que a palavra é a encarnação, a revelação do silêncio – uma tal palavra não é mais portadora do que quer que seja, ela é vazia e mentirosa. Uma vida, é verdade, ou melhor “a” vida nos é dada para experimentar isso. A vida, “minha” vida, que não poderia se medir em tempo de relógio ou em tempo solar.

O silêncio autêntico, certamente, não é uma ausência de palavra. Mas a que tipo de palavra encontra-se ligado? Ao que as tradições judaica, hindu e greco-cristã chamam respectivamente dabar, vac, logos – dito de outra forma, em todos os casos, a palavra “primordial”.

“No princípio era a palavra”, está escrito na Índia cerca de sete ou oito séculos antes de São João. Não é portanto novo... No Talmude, quase na mesma época de João, chama-se esta palavra “memra”, a palavra autêntica, aquela que está mais longe de toda falação. Ora a palavra é autêntica quando procede do silêncio. Há esta colocação extraordinária de Irineu de Lião, no século II da era cristã: “Do silêncio do Pai surge a Palavra do  Filho”. A palavra surge do silêncio. A palavra e o silêncio são as duas faces do mistério trinitário. Há um adágio árabe que diz: “Se tuas palavras não valem mais que teu silêncio, cala-te”. Silêncio e palavra vão estritamente de par. O êxtase e do silêncio é a palavra.

Os textos do Aitareya Brahmana e de São João (No princípio er o Verbo), e ainda outros, como fiz lembrar, dizem bem: “No princípio era a palavra”; mas a Palavra não era “o” princípio. O princípio – é assim que se traduz In principio, o arche – é o silêncio. E do silêncio surge, aparece, se revela a palavra. O Pai é o silêncio, o Filho é a Palavra, o Logos. E toda palavra que não é prenhe de silêncio não é uma palavra. Já citei este texto tão forte do evangelho no qual nos será cobrada a razão de toda palavra leviana, inútil (Bons frutos)... O termo empregado é “anergon”, uma palavra que não tem energia, que não é sacramental, que não é causa do que diz. Mas disto perdemos o sentido. Toda palavra deve ser sacramento, deve causar o que exprime, na falta do que ela é destituída de força, sem eficiência.

Uma anedota da vida de Gandhi a ilustra maravilhosamente. Deve-se contextualizá-la nas condições do ashram onde ele vivia então. Uma das mulheres do ashram demanda um dia ao Mahatma Gandhi, em um sat-sang (uma reunião): “V. poderia fazer entender a minha filha que ela come muitos doces; eu a digo que vai estragar os dentes, mas ela não me escuta; se lhe disseres talvez ela leve em conta”. Gandhi elevou sobre ela um olhar de tristeza e nada disse. Esta mulher temeu ter dado um passo em falso, de falar o que não devia ser falado. Algumas semanas mais tarde, ele reencontrou Gandhi nos serviços do ashram e sentiu a necessidade de se desculpar junto a ele por tê-lo sem dúvida importunado. “Quando me demandastes de falar a tua filha, lhe respondeu Gandhi, eu também abusava dos doces; agora, estou disto curado. Traga-a e lhe direi que não deve comer muitos doces”.

Enquanto em si mesmo não se está encarnado no que se diz, as palavras não tem qualquer força. Todos os sermões do gênero “Sejam bons...”, são bla-bla-bla. Devo poder dominar eu mesmo a concupiscência  que experimento diante dos doces, antes de dizer que deles não se deve abusar. “Traga-a, lhe falarei e ela poderá obedecer”... Eis aí a força da palavra que sai de um silêncio prévio, matriz de toda palavra. É por isto que a palavra, quando é verdadeiramente palavra, é revelação. E é por isto que inversamente a prostituição da palavra é um dos pecados culturais maiores da humanidade.

Raimon Panikkar – Entre Deus e o Cosmos

Quebrando o Silêncio



Meu clamor não se corrompeu
Meu amor não diminuiu
Ele é o mesmo, sempre o mesmo
Será fiel até o fim
Meu clamor não se corrompeu
Meu amor não diminuiu
Ele é o mesmo, sempre o mesmo
Será fiel até o fim
Não vou me abalar
Se não me conformo
Não vou me calar
Se tudo o que eu tenho
É minha voz, vou gritar
Eu quebro o silêncio,
Quebro o silêncio por Ti

Meu grito é por compaixão
Eu canto a justiça de Deus
Eu choro a dor de um pai
Que perde um filho
Eu clamo a oração
Que rompe barreiras
Que vence o medo
Que passa o vale e
Chega até aos céus
E traz Teus milagres

Meu clamor não se corrompeu
Meu amor não diminuiu
Ele é o mesmo, sempre o mesmo
Será fiel até o fim
Não vou me abalar
Se não me conformo
Não vou me calar
Se tudo o que eu tenho
É minha voz, vou gritar
Eu quebro o silêncio,
Quebro o silêncio por Ti

Meu grito é por compaixão
Eu canto a justiça de Deus
Eu choro a dor de um pai
Que perde um filho
Eu clamo a oração
Que rompe barreiras
Que vence o medo
Que passa o vale e
Chega até aos céus
E traz Teus milagres
E traz Teus sinais

Compositor: Klênio 

Silêncio Insano



Uma das questões básicas, tidas como pilares da saúde mental é a existência, a necessidade da Comunicação, da Afetividade e do Relacionamento. Se falta um desses "pilares" então os outros deixam de existir.

Há um silêncio que representa uma quebra de comunicação, tendo por consequência a quebra de afetividade e relacionamento. Pode haver saúde mental sem afetividade, sem comunicação ou relacionamento com o próximo. Não é nenhuma novidade afirmar que a comunicação é essencial em todas as circunstâncias na vida de um ser humano. Parece tão simples ...

O Velho Guerreiro, Chacrinha já dizia: “quem não se comunica se trumbica”. Esse era um jargão usado pelo apresentador de TV dps anos 80, Abelardo Barbosa. Eu "brincava" com as palavras e dizia, que a gente quando criança não tinha disso não ... se estapeava, mordia, enfiava os dedos nos olhos, arrancava os cabelos do outro, mas no dia seguinte estávamos lá com a disposição de brincar de novo. Hoje estou de mal com você, dizíamos: se afasta de mim! Então havia uma quebra de comunicação, mas no instante seguinte ou nos próximos dias estávamos de novo de bem, brincando nos quintais ...

As pessoas cresceram e desaprenderam esse desprendimento infantil. Adquiriram a habilidade de guardam mágoas e têm dificuldades imensas em esquecer e perdoar. Então, o não fale mais comigo, que às vezes nem sequer é dito, provoca um rompimento que prossegue por muito tempo e pela vida afora, machucando, aumentando as distâncias ...

Essa seria uma das causas da insanidade, da infelicidade ... os espiritualistas dizem fazer parte dos planos do ego guardar mágoas e ver significado onde não existe.

Há pessoas que tem "crises de silencio" quando inesperadamente encontram consigo mesmas: o choque as emudece. É como um IMPRINT assim como aquela fala inaudível. Fala característica de quem não se aceita, de quem não conseguiu ainda engolir absolutamente nada da vida.

Quando eu me deparo com alguém falando sem fala (falando com expressões corporais, com olhares, com bocas retorcidas) dá vontade de pedir para  abrir a boca e soltar o que quer que seja audível, “vomitar” o que está lhe fazendo mal.

Obviamente essa atitude não é bem vinda em nossa sociedade. E aí a gente também se cala, também entra no silêncio, e esse, de desaprovação da atitude imatura do outro  - um cranco na personalidade.

O telefone que não toca dá a medida exata de quem é quem na vida de cada um, e do quanto à gente precisa ser íntegra para dar conta do nosso dia-a-dia.

Simples assim.

Silêncio e Oração



A tradição espiritual e ascética sempre reconheceu a essencialidade do silêncio para um verdadeiro caminho espiritual e de oração. “A oração tem como pai o silêncio e como mãe a solidão”, disse um grande homem espiritual. Só o silêncio, de fato, torna possível a escuta, isto é, o acolhimento em si não só da Palavra, mas também da presença daquele que fala. Assim, o silêncio abre o cristão à experiência da inabitação de Deus: o Deus que procuramos seguindo na fé Cristo ressuscitado, é o Deus que não é estranho a nós mas habita em nós. Diz Jesus no quarto Evangelho: “Se alguém me tem amor, há de guardar a minha palavra; e o meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14,23). O silêncio é linguagem de amor, de profundidade, de presença do outro.

Infelizmente, hoje o silêncio é raro, é a coisa que mais falta ao homem moderno, assoberbado por murmúrios, bombardeado por mensagens sonoras e visuais, derrubado da sua interioridade, quase caído longe dela.

É preciso confessar: temos necessidade do silêncio! Temos necessidade dele de um ponto de vista puramente antropológico, porque o homem, que é um ser de relação, comunica de modo equilibrado e significativo apenas graças à relação harmónica entre palavra e silêncio. Contudo, temos necessidade de silêncio também do ponto de vista espiritual, como alimento primário da nossa oração e da vida interior. Para o cristianismo o silêncio é uma dimensão não apenas antropológica, mas teológica: sozinho no monte Horeb, o profeta Elias ouviu primeiro um vento impetuoso, depois um terremoto, em seguida um fogo e por fim o “murmúrio de uma brisa suave” (1 Re 19,12). Ao ouvir esta última, Elias cobriu o rosto com um manto e colocou-se na presença de Deus. Deus torna-se presente a Elias no silêncio, um silêncio eloquente. A revelação do Deus bíblico não passa só pela palavra, mas acontece também no silêncio.

Inácio de Antioquia diz que Cristo é “a Palavra que procede do silêncio”. O Deus que se revela no silêncio e na palavra exige a escuta do homem e para a escuta é essencial o silêncio. Não se trata, por certo, de abster-se simplesmente de falar, mas do silêncio interior, aquela dimensão que nos devolve a nós próprios, que nos coloca sobre o plano do ser, diante do essencial. “No silêncio está inserido um maravilhoso poder de observação, de clarificação, de concentração sobre as coisas essenciais” (Dietrich Bonhoeffer). É do silêncio que pode nascer uma palavra aguda, penetrante, comunicativa, sensata, luminosa, ousaria mesmo dizer terapêutica, capaz de consolar. O silêncio é o guardião da interioridade.

É verdade que se trata de um silêncio definido tão negativamente como sobriedade e disciplina no falar, até chegar à abstenção das palavras, mas que passa deste primeiro momento para uma dimensão interior, isto é, o fazer calar os pensamentos, as imagens, as revoltas, os juízos, os murmúrios que nascem no coração.
De fato, é “do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos” (Mc 7,21). É difícil o silêncio interior, aquele que se joga no coração, lugar de luta espiritual, mas este silêncio profundo gera caridade, atenção, acolhimento, empatia diante do outro.

Sim, o silêncio escava no mais profundo de nós um espaço para fazer habitar o Outro, para deixar permanecer na sua Palavra, para radicar em nós o amor pelo Senhor; ao mesmo tempo, em ligação a isto, dispõe-nos à escuta inteligente, à palavra medida, ao discernimento do coração do outro, daquilo que o queima no seu íntimo e que está encerrado no silêncio do qual nascem as suas palavras. O silêncio, então aquele silêncio, suscita em nós a caridade, o amor pelo irmão e, por consequência, a capacidade de intercessão, de oração pelo outro, bem como a ação de graças pelo encontro que aconteceu. Assim o duplo mandamento do amor de Deus e do próximo é cumprido por quem sabe guardar o silêncio. Por isso, Basílio pôde dizer: “O silencioso torna-se fonte de graça para quem escuta”. Neste ponto, pode repetir-se, sem receio de cair em mera retórica, a afirmação de E. Rostand: “O silêncio é o canto mais perfeito, a oração mais alta”. Ao conduzir à escuta de Deus e ao amor pelo irmão, à caridade autêntica, isto é, à vida em Cristo (e não a um vazio interior genérico e estéril), o silêncio é oração verdadeiramente cristã e agradável a Deus. É este o silêncio que chega a nós de uma longa história espiritual, é o silêncio procurado e praticado pelos hesicastas para obter a unificação do coração, é o silêncio da tradição monástica finalizado no acolhimento em si da palavra de Deus, é o silêncio da oração de adoração da presença de Deus, é o silêncio caro aos místicos de qualquer tradição religiosa e, acima de tudo, é o silêncio do qual é rica a linguagem poética, é o silêncio que constitui a própria matéria da música, é o silêncio essencial a qualquer ato comunicativo.

O silêncio, acontecimento de profundidade e de unificação, torna eloquente o corpo, conduzindo-nos a habitar o nosso corpo, a habitar a nossa vida interior, guiando-nos ao habitare secum tão precioso para a tradição monástica. O corpo habitado pelo silêncio torna-se revelação da pessoa. O cristianismo contempla Jesus como Palavra feita carne, mas também como silêncio de Deus: os evangelhos mostram um Jesus que, quanto mais se adentra na paixão, cada vez mais se cala, entra no silêncio, como cordeiro sem voz, como aquele que, conhecendo a verdade, sabendo o indizível fundo da realidade, não pode nem quer trair o inefável com a palavra, mas guarda-o com o silêncio. Jesus que “não abre a sua boca” mostra o silêncio como aquilo que é verdadeiramente forte, faz do seu silêncio um ato, uma ação. E precisamente por isso poderá fazer também da sua morte um ato, um gesto de um vivente, para que seja claro que por trás da palavra e do silêncio, aquilo que é verdadeiramente salvífico é o amor que vivifica um e outro.

FONTE: Monastero di Bose-Italia
Fr. Enzo Bianchi - Prior da Comunidade Monástica de Bose