Muitos textos sobre o significado da palavra silêncio. Algo como comentários sobre uma foto do Monte Everest... Alguns o identificam como a ausência de ruídos. Outros o identificam como isso. Ou como aquilo. Não importa. Comentários indiretos são possíveis. Deste ponto de vista acho que a música é um instrumento que o ressalta maravilhosamente. Ou pelo desejo de silenciá-la no caso de pagodes ou funks ou por ressaltá-lo divinamente em melodias repletas de apontamentos silenciosos ao vazio intervalo entre as notas. Beethoven era um mestre nesta arte. Ou por tornar-se surdo ao longo e durante seu processo criativo ou por perceber a inutilidade dos sons ante a magnificência deste silêncio avassalador. Poucos maestros após sua morte entenderam isso e aqueles que o perceberam foram considerados tão geniais quanto o mestre. Herbert von Karajan foi um deles. Há um vídeo de um ensaio da Filarmônica de Berlim onde ele interrompe o ensaio para dizer a um violinista da terceira fila que "naquele intervalo não havia nota a ser tocada e que isso era o sagrado daquela sinfonia!". Fora da música talvez, apenas talvez, seja mais difícil. Como as letras, que precisam de uma folha branca para se destacar, ele precisa de sons para ser desejado. Este é o seu paradoxo.
Se perguntarmos para o surdo o que é o silêncio ou perguntarmos para um cego o que é a luz a resposta não será a mesma? Estas não deveriam ser as questões básicas de um buscador? Não sei... Quando ouço que alguém está em busca do "seu silêncio interior" são estas questões que surgem. Mas entendo e percebo que as interpretações do seu significado sejam as mais variadas. Cada um busca aquilo que consegue entender, ou aquilo que aprendeu até então. E esta é a dificuldade na transmissão do que quer que seja. Osho dizia que a única forma de transmitir algo seria através da "transmissão especial", a transmissão sem palavras, algo que a física moderna tangenciou...
Cevando mais um chimarrão (para mim a fonte de toda a sabedoria do Universo...), ouvindo o II Movimento da Pastoral de Beethoven refletia sobre estes pontos. Sobre a bancada onde a gata que compartilha o espaço conosco pratica seus "exercícios anaeróbicos" diários virando-se muito, mas muito lentamente de um lado para outro, havia um livro. Peguei-o. Num texto de um mestre Zen japonês li a mais clara definição do significado da busca pelo silêncio da mente, mas ainda era mais um koan do que algo explícito em si. Curto pesquisar as origens das coisas. Peguei o notebook e fui pesquisar a etimologia da palavra "silêncio", em japonês. Apareceu novamente o ideograma, que havia visto no livro do mestre Hakuin. Ali ficou claro: um ideograma vale mais do que mil palavras.
A caligrafia do ideograma que representa o silêncio é composta de duas partes: uma parte significa preto/escuro e a outra cachorro. Por que estas duas palavras juntas significam a busca pelo silêncio? No dicionário etimológico japonês apenas consta que "numa noite escura, um cachorro preto corre atrás de um homem"... Beautiful!
Isso é a busca pelo silêncio! Era esta a imagem que havia sido transmitida pelo texto! E pela sinfonia que continuava impregnando a sala com sons compilados do silêncio ensurdecedor da mente beethoveniana. Imagine a cena: numa noite profundamente escura podemos ver (pelo menos nas noites existentes aqui no interior de Viamão) quase nada. Se um cachorro preto corre atrás de um homem numa noite escura, ambos não podem ser reconhecidos pelo outro. Nenhum vê o outro, apesar de um grande movimento ser perceptível. É o mesmo movimento descrito nas grandes sinfonias. Você não o vê, mas sabe que ele acontece. Você não vê onde ele acontece, mas sabe que ele acontece em algo imutável que permite que ele aconteça...
Alguém tentando ficar em silêncio traz este mesmo significado em si. É um cachorro - que não é visto - correndo atrás de algo que não vê. Quem corre de quem? Qual a direção da corrida? Não é apenas um movimento acontecendo?
Esta é a representação da busca da mente pelo silêncio. Que só pode ser o silêncio da própria mente! O barulho ensurdecedor de algo tentando silenciar-se. Nesta tentativa de eliminação, o ruído aumenta na mesma proporção. Perfeito! O silêncio em si não necessita de explicação. O que talvez necessite ser explicado é a razão da necessidade de buscá-lo. Ou de explicá-lo!
Algumas perguntas podem ser feitas. Quem percebe o ruído? Quem se identifica com este ruído? Quem tem a necessidade de interromper este ruído? Onde este ruído acontece? A quem este ruído perturba? O que aconteceria (e a quem) no silêncio absoluto?
E finalmente: a mente é suicida?
Fonte: temazcal.com.br
Também gosto de saber a origem das palavras. Procurava a etimologia da palavra " silêncio " e esta definição foi perfeita.
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