sexta-feira, 1 de julho de 2011

A Magia do Silêncio - José Louzeiro




Nos dicionários e enciclopédias sua definição é o que sabemos: ausência de barulho. E eu me pergunto? O que vem a ser o silêncio como fenômeno da natureza? Que mecanismos são acionados para produzi-lo, se nada neste mundo é gratuito? Um grão de areia tem significado relevante; uma gota d'água é partícula do rio mais caudaloso. 

Sons, vozes e ruídos se extinguem quando deixamos de ouvi-los ou continuam em vibração nas regiões particulares do universo, esse nosso desconhecido? Seriam partículas elétricas, da energia consciente de cada um de nós, do nosso cérebro, matriz de todos os pensamentos e do qual, também, pouco ou nada sabemos? Parece não haver sequer uma bibliografia confiável a respeito da matéria. Não sei de nenhum filósofo que se tenha debruçado sobre o assunto. Seria o silêncio o primo pobre dos demais fenômenos que tanto mobilizam os doutos acadêmicos? Diante dessa carência de conceituação, deixo aqui minhas impressões sobre o tema que me parece rico e desafiador.

Em termos de espiritualidade, silêncio é força e caminho propício á introspeção e á meditação. Pelos imensos desertos que o sopro do silêncio instala diante dos nossos olhos e da nossa mente, caminham os peregrinos brahmins, em busca da fonte inesgotável de paz e harmonia. O silêncio seria a predestinação? Seja como for, ele nos acompanha na intimidade e estará conosco no instante final, companheiro e guia pelos meandros da eternidade.

Com sua força misteriosa, composta de sutilezas e transparências, transcende a todo e qualquer estado de beatitude e nos dá a medida exata da pureza e da humildade. Aqueles que conseguem acompanhar seu ritual, gozam de riqueza interior e, por isso, ostentam o tilak do desapego.

Há na mística do silêncio, algo que induz ao esquecimento. Passado, presente e futuro seriam a mesma coisa ou coisa nenhuma. Simples etapas do relógio de Ravan, cujo pêndulo oscila entre as esperanças malsucedidas, os sonhos de grandeza e as dores que marcam nossa transitoriedade. Sem silêncio a alma fica pequena e a morada em que habita torna-se ainda mais acanhada. De outra pane, se não existe grandeza espiritual, o materialismo atua com o vigor do ódio que a tudo destrói.

A cena final, num campo de batalha, só aparentemente se fecha em silêncio. Na verdade, tudo que lá restou é ausência e esta, aos ouvidos atentos, traduz-se em gemidos e ranger de dentes. Não vejo o silêncio como sendo o monumento universal à tristeza. É, ao contrário, largo caminho por onde o ser humano transita na sua incessante aventura.

O silêncio que acompanhou os descobridores navegantes, agora é o manto cósmico dos astronautas. Quando se vão, são pessoas comuns, olhos habituados às nossas limitações. Ao retornarem, seus horizontes se desenham nas paragens do infinito.

Tiveram o privilégio de conviver com o ilimitado, sabem que um dia desses o espiritual e o científico se completarão na unicidade de uma nova era, pois o mesmo fenômeno que envolve o singelo exercício da meditação, permeia os campos de força que mantém a harmonia do universo. Para os brahmins, silêncio significa saúde. Energia a recarregar as baterias do contentamento, da fé, da tolerância e do amor. Aclara o poder de observação e de entendimento dos mistérios que nos cercam.

O indivíduo que se dedica á "doutrina do silêncio", se assim posso dizer, é aquele que venceu importantes estágios da existência e pôde avançar com desenvoltura para a luz do divino. Libertou-se das artimanhas do profano, colocou-se de corpo e alma a serviço do sagrado.O silêncio é o incenso que queima e mais perfuma as cerimônias religiosas, com sua musicalidade e cânticos de Anjos, em louvor aos iluminados. Todos os barulhos, por mais intensos que sejam, caem nas águas do silêncio e viram rutilâncias, fundem-se com as cores das auroras.

Sons e ruídos pulsam ressonâncias nos seus patamares de alegria, recolhimento, introspecção e paz. No mar alto de seus desdobramentos, tremulam as bandeiras do chamado "silêncio de morte" que é, também, da libertação.Para os místicos, aqueles que conseguem vê-lo, o silêncio é um caudaloso rio com águas cor de vento. Não seca nunca e nas regiões em crise, por onde passa, assume a forma de um lago a espelhar o clamor dos humilhados e ofendidos.

Mas, se é de silêncio o sono dos justos, a confissão íntima dos prisioneiros, a lamentação dos perdedores, não haverá paz na trajetória dos perversos, dos que mentem e corrompem com a desenvoltura dos que semeiam verdades. Por isso, nos ambientes em que a violência e a trapaça imperam, o silêncio é de ouro. Um filólogo paciente, trabalhando em colaboração com um brahmin, um professor, um monge e um poeta, bem que poderia compor o alfabeto do silêncio. A letra "A" definiria o amor. E por quê?

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